terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

CONSIDERAÇÕES À VOLTA DO REGICÍDIO, pelo Ten. Cor. João José Brandão Ferreira


“Nos liberi sumus, Rex noster liber est, Manus nostrae nos liberverunt”. (Nós somos livres, nosso Rei é livre, nossas mãos nos libertaram”)

Grito de Almacave
Pronunciado pelos povos representados nas míticas Cortes de Lamego clamado desde a Revolução de 1640 como o “grito da liberdade portuguesa” (adoptado pelo Integralismo Lusitano)


I. INTRODUÇÃO 

O bárbaro assassinato do Rei D. Carlos I e do seu primogénito e herdeiro do trono, o muito promissor Príncipe D. Luís Filipe de Bragança, no dia 1 de Fevereiro de 1908, e que deu origem à tumulária que agora evocamos, constitui um dos mais tristes, lamentáveis e funestos episódios da nossa antiga, rica, dramática e, por vezes, gloriosa História, que percorremos juntos há quase nove séculos. 
Foi um episódio que nos envergonha como povo, que não passa pela cabeça de ninguém comemorar, mas que não devemos esquecer. Ocorreu na sequência do pior século da nossa existência como Nação, o século XIX.
Matar Reis ou pessoas das Casas Reais, bem como quaisquer outros governantes, não é uma coisa comum na História de Portugal – ao contrário do que se passou com outros povos. 

Temos que recuar ao reinado de D. João II para nos confrontarmos com a primeira tentativa séria para eliminar a figura de um Rei. Estamos a referir-nos às duas conspirações chefiadas pelos chefes das duas principais casas ducais do País, o  3º Duque de Bragança, D. Fernando, e o 3º Duque de Viseu, D. Diogo, que perderam a vida em consequência. 
É bom não esquecer, ter-se tratado de dois actos de traição de elementos da alta nobreza contra o seu legítimo Rei, com a agravante de estarem mancomunados com a Coroa de Castela. 
O Príncipe Perfeito veio a morrer de doença, em 1495, suspeitando-se que tenha sido envenenado.

Depois disso só há a registar as várias tentativas de assassinato do Prior do Crato a mando de Filipe I – o que entendemos perfeitamente; bem como o atentado contra a vida de D. João IV, em 29 de Agosto de 1641, por alguns traidores à causa portuguesa, donde se destaca o Marquês de Vila Real.

Durante os tristes eventos que levaram à deposição do infeliz Rei D. Afonso VI, por incapacidade, nunca esteve em causa tirar-lhe a vida.

Já o suposto atentado contra a vida de D. José I, quando este regressava de uma das suas aventuras amorosas, representa um dos mais indecorosos processos da justiça portuguesa, onde se mistura uma dose elevada de manipulação política. 
As atrocidades cometidas no cadafalso, dignas de Tamerlão, eram perfeitamente deslocadas em quem se dizia viver no século das luzes. 
Aparenta representar uma vingança de simbolismo maçónico e, até, um ajuste de contas final com a Casa de Avis, configurada na figura do Duque de Aveiro, D. José de Mascarenhas… 

Já tudo aponta, porém, para que o infeliz monarca que foi D. João VI, cuja figura foi tão injustamente tratada e ridicularizada por liberais e republicanos, tenha sido vítima também de envenenamento, com arsénio. Assim o provam os estudos efectuados por uma equipa alargada de investigadores, nos anos 90 do século passado.
A quem aproveitou a morte do Rei? Eis uma questão que, até hoje, não foi dilucidada! 

Chegamos assim ao atentado a D. Carlos I. 
E uma questão levanta-se acima de qualquer outra: existia alguma razão, fosse ela política ou outra, que justificasse a eliminação física de um dos mais notáveis estadistas da História Pátria? 
É sobre isto que é mister gastar mais uns minutos. 


II. ANTECEDENTES I

“Acervo de teorias irrealizáveis, se teorias se podiam chamar, de instituições talvez impossíveis sempre, mas de certo modo impossíveis numa sociedade como a nossa e na época em que tais instituições se iam assim exumar do cemitério dos desacertos humanos”

Alexandre Herculano 
(sobre a Constituição de 1822)


Podemos dizer que o Regicídio e a queda da Monarquia tiveram o seu antecedente remoto na Revolta Liberal, vitoriosa, de 1820, a qual vinha antecedida da conspiração frustrada de 1817, encabeçada pelo General Gomes Freire de Andrade – o que representou a primeira intervenção política por parte dos militares, na vida política nacional. 
Ambas as tentativas, para além de configurarem um golpe de inspiração maçónica para acabar com a velha ordem absolutista do “Antigo Regime”, tiveram como acicate justificativo, retirar o poder a Beresford e o controlo do Exército Português aos oficiais britânicos e fazer regressar a Família Real, a Lisboa, a qual vivia no Rio de Janeiro, desde 1808. 
As consequências de tudo isto ainda se fazem sentir hoje; muitos dos problemas, então originados, não estão resolvidos e as feridas saradas. 

O Rei regressou, de facto, em 1821, a tempo de jurar a nova Constituição do ano seguinte – coisa que a Rainha D. Carlota Joaquina sempre se recusou a fazer. 
Deixou, sem embargo, a fermentar, a independência do Brasil – onde, entretanto, se tinha invertido a situação de Metrópole e Colónia – consumada com a pouca esclarecida atitude de um Príncipe Real, primeiro com o célebre “Fico!” e depois com o “Grito do Ipiranga” o que não deixa, também, de configurar um crime de lesa-Pátria.

Tudo isto favorecido pela abertura dos portos brasileiros ao comércio inglês – acordo leonino que nos foi imposto pelos nossos dilectos aliados –; a acção da maçonaria e o apoio dos EUA que pretendiam eliminar no continente americano qualquer presença política europeia. 
O golpe foi tremendo na já destroçada economia portuguesa cujo território e população estavam esfacelados por cinco invasões francesas – não três, mas cinco …. 
Aliás, em boa verdade os franceses nunca foram expulsos, pois deixaram por cá as sementes dessa trilogia jacobina e mentirosa conhecida por “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, ao mesmo tempo que a Inglaterra se apoderou de quase toda a economia. 
Ou seja, o país ficou colonizado culturalmente pelos franceses e economicamente pelos ingleses, situação de que só recuperámos devido à acção política esclarecida do Professor António de Oliveira Salazar… 
Ingleses e Franceses deixaram-nos ainda um lastro maçónico de duas obediências diferentes que passaram a marcar (e a digladiar) para o bem e para o mal – diria que muito mais para o mal – toda a vida nacional.

A ala afrancesada veio a confluir em Manuel Inácio Martins Pamplona Corte Real, 1º Conde de Subserra, grande militar e político; na ala inglesa veio a prontificar D. Pedro de Sousa Holstein, 1º Duque do Faial e 1º Duque de Palmela, herói das guerras liberais e diplomata ilustre. 

Do anterior já tinha havido António de Araújo e Azevedo, 1º Conde da Barca, pelos franceses e D. Rodrigo de Sousa Coutinho, 1º Conde de Linhares, pelos ingleses.

Isto para não recuarmos ao Marquês de Pombal, conhecido pelo “Maçon de Viena” e que realizava o paradoxo de servir o liberalismo nascente através do mais sombrio absolutismo da nossa história.  
Estes homens deixaram, por assim dizer, dinastias de simpatizantes e “descendentes”, que se foram alternando no Poder, até à Segunda República. 
Compreenderão que em tão curta missiva não possa dilucidar todo esse período!


III. ANTECEDENTES II

“Foram eles e suas absurdas e falsas reformas que nos trouxeram a este estado. Foram eles que desmoralizaram todo o País, que o deslocaram e revolucionaram. Reformadores ignorantes, não souberam dizer senão como os energúmenos de Barras e Robespierre: abaixo! Assim se reformou esta desgraçada terra a machado! Mais 10 anos de barões e de regime da matéria e, infalivelmente, nos foge deste corpo agonizante de Portugal o derradeiro suspiro do espírito.
 … Não contentes de revolver até aos fundamentos a desgraçada pátria com inovações incoerentes, repugnantes umas às outras, e em quase tudo absurdas, sem consultar nossos usos, nossas práticas, nenhuma razão de conveniência, foram ainda atirar com todo este montão de absurdos para além-mar…” 
Almeida Garrett 
(sobre a implantação do Liberalismo em Portugal)



 Implantado o Liberalismo, em 24 de Agosto de 1820, logo os liberais se dividiram entre moderados e adeptos da Democracia da Direita. 
A nova Constituição aprovada, em 23/9/1822, era uma cópia servil da Constituição Francesa e da de Cádis de 1812, perfeitamente inadequada à Nação Portuguesa, visando-se objectivamente o Trono e o Altar. 
A reacção do país real não se fez esperar. Esta reacção confluiu na figura do Infante D. Miguel o qual, à frente da esmagadora maioria do Exército, se dirigiu a Vila- Franca, recebendo adesões de todo o país. Acabou aí a Constituição de 1822 e o Soberano Congresso autodissolveu-se. 
A Monarquia tradicional foi restaurada. 
Preparou-se uma nova constituição mais moderada, mas afastados os democratas de 1820, os monárquicos dividiram-se em liberais e tradicionalistas cujo desentendimento acabou na Abrilada de 1824 e no exílio de D. Miguel. 
Com a morte de D. João VI, em 1826 abriu-se uma crise política que só haveria de terminar no fim da pior guerra civil que em Portugal já houve. Os acontecimentos precipitaram-se: 
D. Pedro IV, que seria o legítimo herdeiro, deixou-se aclamar Imperador do Brasil, perdendo o direito ao trono.

Estando a sua irmã mais velha Isabel Maria, regente em Portugal, ainda confirmou essa regência, tomou o partido dos liberais, outorgou a nova Carta de 1826 e abdicou do trono, a 2 de Maio desse ano, a favor de sua filha D. Maria da Glória. 
Visando o futuro entendimento entre as correntes maioritárias, propôs-se o casamento da Infanta com seu tio D. Miguel, o que este aceitou, regressando ao reino e ficando regente, na menoridade da sua futura esposa. 
D. Miguel regressou em 1828, encontrando o Partido Tradicionalista muito fortalecido e todos desagradados com a nova Constituição. Acabou dissolvendo a Câmara dos Deputados e convocando Cortes Gerais do Reino ao estilo antigo, o que ocorreu em Julho de 1828, sendo aclamado Rei pelos três braços do Reino. 
Tal decisão deu início à guerra civil.

Com excepção da Ilha Terceira todo o país se proclamou Miguelista. Foi pois naquela ilha que confluíram os próceres liberais. 
A instância destes, D. Pedro acedeu a abandonar o Brasil – onde havia sido destronado - e vir chefiá-los. 
Com um exército de 7.000 homens, muitos dos quais recrutados entre a escória dos portos europeus – conseguiu estabelecer-se no Porto, em 1832. 
Ao cabo de dois anos de guerra, estas minguadas forças conseguem bater os 80.000 homens do exército de D. Miguel e a maioria da população que o apoiava. 
Mistérios que só encontram explicação na qualidade dos generais liberais, Saldanha, Terceira e Sá da Bandeira e no almirante Napier, e na traição comprovada de vários generais miguelistas. 
A Convenção de Évora – Monte, de 26/5/1834, selou a sorte da contenda e o exílio de D. Miguel e seus seguidores. 

Mais uma vez os liberais se dividiram entre moderados e adeptos do “Vintismo”, tendo estes últimos, encabeçados por Passos Manuel, implantado uma ditadura, em 9 de Setembro de 1836, que permitiu a Mouzinho da Silveira efectuar uma reforma legislativa que mudou o país radicalmente, demolindo tudo o que éramos! 
D. Pedro IV, esse, não resistiu a um mês de parlamento. Enxovalhado e doente, morreu, roído de vergonha e remorsos, a 24/9/1834. 
A anarquia campeava. 
A nova Constituição, de 1838, nada resolveu tendo Costa Cabral através de mais um golpe de estado, em 1842, restaurado a Carta. 
Os antagonismos continuaram e acabaram na revolta de Maria da Fonte, contra Costa Cabral, em 1846. 
Saldanha que, entretanto, virara moderado entendeu opor-se aos radicais, o que resultou numa nova guerra civil, a Patuleia, a qual apenas teve fim com uma vergonhosíssima intervenção militar estrangeira, conjunta, calcule-se, de ingleses, franceses e espanhóis!

Foi este vexame, uma das principais razões que esteve por detrás da “Regeneração”.


IV. ANTECEDENTES III

“Toda a Nação mais ou menos ardentemente, desejava ver terminado o intermezzo da Carta Constitucional, e no Trono, em vez de um papel, um homem.” 
Oliveira Martins 
(sobre a Carta Constitucional, de 1826)


Cansados da guerra civil e da destruição que tinham provocado, na sequência de mais um golpe de estado, em 1851, chamaram ao governo outro maçon, Rodrigo da Fonseca Magalhães, o que deu origem ao que ficou conhecido por Regeneração. 
O Governo concedeu então aos extremistas, algumas vantagens doutrinárias, através de um acto adicional à Carta Constitucional em troca do compromisso daqueles em transferirem as reivindicações ideológicas do campo revolucionário para o campo eleitoral. 
Tal facto vai resultar e degenerar, segundo Oliveira Martins, numa oligarquia de facto, que se apoiava em três vértices: democracia, riqueza e exército. 
A “elite” deixou as preocupações religiosas, o carácter revolucionário e voltou-se para o materialismo- herdeiro do “Positivismo”-, que encontrou no “Fontismo” a sua expressão mais acabada. 
Eis a essência do novo “Cartismo”: “Ao esquadro e ao compasso maçónico – ainda segundo Oliveira Martins – veio juntar-se a aritmética economista”. 
A podridão política em que se caiu levou ao Pacto da Granja, de 1865, uma trégua entre partidos, que haviam de se fundir em 1876 em dois: um mais à direita, o Regenerador e outro, mais à esquerda, o Progressista, que se vieram a alternar no governo, dando origem ao “Rotativismo”, ora governando um, ora outro, sem que ninguém se apercebesse da diferença, a não ser pelo cunho pessoal dos líderes que se alternavam no governo. 
No fundo tratava-se de duas oligarquias económicas que se revezavam no poder, sem fé nem ideal, mas em luta permanente. 
 Ofereço um doce a quem encontrar alguma diferença para o que se passa actualmente entre nós!... 
A atmosfera política e social, sobretudo em Lisboa e Porto, estava agora a ficar madura para o aparecimento das ideias democrata/republicanas através do Partido Republicano, fundado em 1876. Este Partido que exercia a sua actividade com toda a liberdade e em pé de igualdade com os partidos monárquicos – coisa que impediram a estes, após o 5 de Outubro de 1910 – logo aproveitaram o ultimato inglês de 1890 – ao qual realisticamente não se podia fazer frente - para desencadearem uma campanha contra o governo e o jovem Rei (cujo reinado se iniciara há poucos meses) e provocando a primeira revolução republicana, a 31 de Janeiro do ano seguinte, no Porto.

Nova crise financeira colocou o país à beira da bancarrota. 
Exorbitava-se do abuso da liberdade, de expressão e de imprensa e fizeram-se os ataques mais soezes ao Monarca e à Família Real. 
Os Partidos Monárquicos nada aprenderam, continuando a sua luta estéril, incompetente, corrupta e antipatriótica. 

No fim, já no início do século XX, dividiram-se em tendências. As mais célebres foram a de João Franco, que fundou o Centro Regenerador Liberal, em 14/5/1901, e a tendência liberal progressiva de José Maria de Alpoim – personagem cuja actuação representa, provavelmente, o pior exemplo de canalhice moral e política de toda a nossa história parlamentar.

Esta última dissidência ocorrida em 1 de Maio de 1905, a pretexto da “questão dos Tabacos”, marca o ponto de partida para o regicídio e o fim da monarquia em Portugal. Foram 33 meses para decapitar o trono e outros 33 para o deitar por terra. 


V. ANTECEDENTES IV

“Os diferentes partidos não são mais do que escolas de imoralidade, e portanto companhias de comércio ilícito, onde as diferentes lutas, que promovem, não são mais do que o modo de realizarem o escambo de consciências, o sacrifício dos amigos, e o bem do País, e por conseguinte o modo de realizarem o fruto do peculato, depois de postos em almoeda as opiniões”. 
“A classe dos malfeitores é a que mais tem ganho com as garantias constitucionais” 
Luz Soriano 
(sobre a política do seu tempo)



Vamos correr, no “metropolitano da história”, os principais eventos que antecederam a tragédia. 
Em Abril de 1906, amotinaram-se o Cruzador D. Carlos e o Couraçado Vasco da Gama; no mês seguinte João Franco forma governo pondo fim a 30 anos de rotativismo. 
A Rainha D. Amélia é vaiada no Campo Pequeno; D. Luís Filipe assiste em Madrid ao atentado falhado contra o Rei Afonso XIII; em Novembro rebenta o “escândalo” dos adiantamentos à Família Real – onde esta, de resto, tinha toda a razão – tendo Afonso Costa gritado no Parlamento “Por menos do que fez o Sr. D. Carlos, rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI”! 
Em Março de 1907, Magalhães Lima é eleito Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano Unido e inicia os contactos internacionais, nomeadamente com a Maçonaria inglesa e escocesa, para a implantação da República em Portugal; Luz de Almeida organiza a Carbonaria Portuguesa e torna-se seu Grão-Mestre (já em 1899, Heliodoro Salgado tinha activado a Carbonaria Lusitana).

Esta organização tenebrosa constituíu-se como o braço armado da Maçonaria e do Partido Republicano. 
Em Maio, João Franco depois de perder o apoio parlamentar e com o apoio do Rei, passa a governar em “ditadura administrativa” depois do Parlamento ter sido dissolvido. 
Os progressistas dissidentes aliam-se aos republicanos, constituindo um comité revolucionário, em que participam o Visconde da Ribeira Brava, José de Alpoim, Afonso Costa e Alexandre Braga. Em Julho juntar-se-lhes-ia Egas Moniz, França Borges, Marinha de Campos e outros. Há comícios republicanos por todo o país e rebentam bombas. 
Em Agosto de 1907, numa reunião do Conselho de Estado, Júlio de Vilhena vaticinará: “isto termina e fatalmente, por um crime ou por uma revolução”. 
Em Dezembro dois políticos portugueses reúnem-se com revolucionários franceses no Hotel Brébant, em Paris, combinando a eliminação de João Franco e de D. Carlos; a embaixada portuguesa sabe do evento e avisa o governo de Lisboa. 
 Para variar, ninguém acredita em nada e ninguém faz nada!... 
Trinta membros de um grupo especial da Carbonária, “a coruja”, reúne-se numa casa na Costa do Castelo para tomarem conhecimento de um plano concreto para assassinar o Rei. Os republicanos compram armamento para a revolução. 
No dia 1 de Janeiro de 1908, à cerimónia de cumprimentos, no Paço, faltam os representantes do Partido Progressista e apenas quatro regeneradores comparecem. 
João Chagas e Ribeira Brava preparam a revolução; no dia 13 chega aos escaparates o escandaloso livro “O Marquês de Bacalhoa” e é descoberta uma carta de Alfredo Costa para Manuel Buíça – os dois principais executores do atentado – em que se refere um possível atentado à vida do Rei, para o dia 20.
Em meados do mês Ribeira Brava levanta da loja do armeiro Heitor seis carabinas Winchester e um lote de pistolas Browning 7.65. A 20 a polícia descobre o complôt e apreende as armas à excepção das carabinas. No dia seguinte são presos vários conspiradores, entre eles, João Chagas, Luz de Almeida e António José de Almeida.

No dia 22 Afonso Costa assume a chefia da conspiração e chama José de Alpoim e Ribeira Brava para o coadjuvar. Dia 27, aprova-se a ordem de operações de que consta a eliminação de João Franco. No dia 28 dá-se a “intentona do elevador da biblioteca” que falha ocorrendo a prisão de inúmeros conspiradores. Alpoim escapa para Espanha, depois de ter estado escondido em casa de Teixeira de Sousa, que viria a ser o último chefe de governo da Monarquia… 
No dia 30 sabe-se que João Franco prepara um decreto repressivo. 
Um grupo de 18 carbonários reúne-se em Xabregas, chefiado por Alfredo Costa e assenta no plano para matar João Franco e o Rei. Buíça recebe a carabina com que matará D. Carlos.

No dia 31 o Rei assina em Vila Viçosa o decreto repressivo, que incluía o desterro dos principais chefes republicanos. 
E tem a premonição de que estava a assinar a sua sentença de morte… 
No dia 1 de Fevereiro a Família Real regressa a Lisboa. Os 18 assassinos dividem-se em três grupos de seis. O primeiro fica no Terreiro do Paço, o 2º à entrada da Calçada de Santos e o 3º em Alcântara. Um destes grupos tenta emboscar, pelas 14:00 horas, o chefe do governo, na rua onde morava, mas não o encontram. 
Pelas 17:00 a Família Real desembarca no Terreiro do Paço onde os espera D. Manuel e a Corte. Não foram tomadas quaisquer medidas de segurança especiais, para não mostrar medo e fingir que está tudo normal. Acresce que João Franco nunca acreditou que se pudesse realizar um atentado ao Rei. Ele seria o único alvo a abater…

Às 17:20 inicia-se o percurso. O desfecho é conhecido.

O processo judicial não ficou concluído no reinado de D. Manuel II, tendo prosseguido na República. Desapareceu misteriosamente dos cofres do Ministério da Justiça. 
Uma segunda cópia, na posse de D. Manuel II, foi roubada da sua residência em Inglaterra, em 1932, pouco antes da sua morte. 
Após o atentado o campo monárquico entrou na maior desorientação e cobardia. Mereceram, por isso, perder e até hoje nunca se soube reagir adequadamente. 


VI. CONCLUSÕES

“Não vejo senão uma solução simplista – uma tirania. É necessário um sabre, tendo ao lado um pensamento”. 
Eça de Queiroz, 1890


 É mister responder às perguntas que colocámos no início: havia alguma justificação para matar o Rei, melhor dizendo, a Família Real, mesmo pondo de lado o 5º mandamento da Lei de Deus, “não matarás”? 
À luz das “leis dos homens” poderia haver justificações em termos políticos e em termos humanos? Os primeiros poderiam escorar-se, caso tivéssemos um regime despótico, opressor, repressivo, traidor aos interesses nacionais, cerceador das antigas leis, costumes e tradições do reino, ofensivo da moral e da religião do país e do seu povo. 
Por outro lado a figura do Rei, ou dos membros da sua família, era odiosa, por ser um mau carácter, sanguinário, injusto, de maus fígados, atrasado mental ou qualquer outra característica que tornasse intolerável a sua pessoa?

Ora nem um nem outro dos cenários tinha qualquer réstia de verdade ou verossemelhança. O regime era liberal, demasiado liberal, até; havia liberdade política e social; liberdade de imprensa; estavam garantidos os direitos fundamentais; os foros e privilégios dos povos; a justiça funcionava, bem como todas as restantes instituições. 
É verdade que os Partidos Políticos não prestavam, o rotativismo estava esgotado, havia fraudes eleitorais e o país estava em bancarrota quase permanente. 
Mas a culpa disso não era do monarca, nem da monarquia, que tinha deixado de governar e apenas reinava, dadas as lutas políticas das décadas anteriores. 
A I República, por sua vez, além de não resolver nenhum destes problemas agravou-os todos!... 

Em termos humanos, D. Carlos – e o mesmo se antevia no seu herdeiro – era um homem de qualidades invulgares, corajoso, de rara cultura, interesses elevados, tendo vindo a revelar-se um diplomata e um estadista de rara igualha. 
Nem D. Carlos nem qualquer membro da sua família, alguma vez deixaram mal a Nação Portuguesa. Nem sequer algumas facadas matrimoniais que terá dado puseram em causa a figura do Rei, nem da Rainha, não só pela discrição em que ocorreram, como pela bonomia com que foram encaradas. Antes pelo contrário, o Rei resolveu agir para tentar salvar o país da situação caótica em que se encontrava. E foi isso que foi considerado intolerável e leva à decisão final de o eliminar e a toda a sua família numa antecipação grotesca daquilo que os bolcheviques viriam a fazer com toda a família real russa, em 1917!

Em síntese, não havia uma única razão que justificasse tão bárbaro acto que apenas encontra razões no enviesamento moral dos seus autores; no ódio vesgo, no mais negregado extremismo político e na maldade estúpida, alimentada por mentiras compulsivas. 
Assim se viu a Nação maculada no seu todo por um acto vil, condenado por todas as leis morais e religiosas e se fundou um novo regime, que vigora ainda hoje – para castigo de todos nós – baseado num crime de regicídio, que ficou impune; alimentado na mentira política, social e moral; imposto a tiro e à bomba, à revelia da lei vigente. 
 Finalmente uma República que promoveu romarias aos túmulos dos regicidas; que mantém o nome de safados na toponímica de vilas e cidades e chegou ao ponto de meter um regicida (no mínimo seu colaborador), na vergonhosa obra de Santa Engrácia, que dá pelo nome de Panteão Nacional! 
 E, para cúmulo, a actual Constituição proíbe, antidemocraticamente, poder ela própria, ser revista a não ser na forma republicana de governo! 
Lembro ainda que este regime que nasceu indecoroso, nunca foi legitimado em nenhum referendo popular, a não ser nas condições especialíssimas do plebiscito que aprovou a Constituição de 1933! 


VII. SÍNTESE FINAL 

“Ao cabo de longos e porfiados esforços, os monárquicos acabaram de implantar a República em Portugal” 
(Noticia enviada por Eduardo Schwalbach, à Gazeta de Noticias, do Rio de Janeiro, em 6/10/1910) 


O desastre dos 90 anos de liberalismo monárquico, que durou entre 1820 e 1910, foi feito de lutas partidárias e demolições constantes que desarticularam por completo a Nação Portuguesa.

Para ilustrar este desastre diremos que durante a sua vigência existiram seis monarcas (dois assassinados) e três regências, ou seja uma chefia de estado em cada década; 142 governos - o que dá uma média de governo e meio por ano; 42 Parlamentos, dos quais 35 foram dissolvidos violentamente; 31 ditaduras - o que significa que o Liberalismo viveu um terço da sua existência fora da normalidade; e 51 revoluções, pronunciamentos, golpes de estado, sedições, etc. 
Este foi o passivo que a República democrática herdou em 1910. 
 Por seu lado nos 16 pavorosos anos que durou a I República, contam-se: oito chefes de estado, dos quais um barbaramente assassinado (mais um chefe de governo), dois foram exilados, um resignou, dois renunciaram e outro foi destituído; 52 governos, ou sejam mais de três governos em média por ano (houve um que só durou umas horas…); oito Parlamentos, dos quais cinco foram dissolvidos violentamente e 11 ditaduras, significando que dos 16 anos de regime democrático-parlamentar, só cinco conseguiram arrastar-se dentro da Constituição! 
Pois, senhoras e senhores, é a esta catástrofe inominável que, ainda hoje, uma parte considerável dos homens públicos e livros oficiais, tecem as mais despudoradas loas! 
Escaparam a esta debacle, os 41 anos do Estado Novo, antecedidos por três ditaduras entre 1926 e 1933, uma militar; uma financeira e uma política, que se revelaram fundamentais para colocar ordem no caos reinante – o tal sabre acompanhado de um pensamento, de que falava o Eça!... 
Aliás, estou em crer que a II República sobreviveu, por se assemelhar muito mais a uma Monarquia do que a uma República. Deixo-os esta provocação para meditação… 
Estamos hoje, novamente metidos, como País, num buraco incomensurável – enfim, só faltam as bombas nas ruas - cuja grandiosidade do sinistro vai requerer todas as nossas energias, capacidades e sacrifícios para lhe sobrevivermos, como pessoas e como País. 
Ter hoje novamente um Rei não é andar para trás na História; é, simplesmente, retomar a via tradicional, ultrapassar o tempo perdido, corrigir uma injustiça e uma iniquidade. 
Pode e deve o herdeiro da Coroa Portuguesa, com a autoridade que a sua linhagem e nobreza de carácter lhe conferem, denunciar o grave momento da Nação e indicar caminhos para a reabilitação da Pátria e da Monarquia. 
É o que todo o povo monárquico espera e todos os portugueses merecem.

Como disse o grande Mouzinho de Albuquerque - possivelmente o único homem que, se fosse vivo, poderia ter evitado o regicídio - na sua carta ao Príncipe D. Luís Filipe: 
“Nasceu Vossa Alteza numa época bem desgraçada para este país. Foi talvez um favor de Deus porque mais na desventura que na felicidade se prova a força do carácter”. E acrescentava, “Convença-se bem V. Alteza de que os Príncipes não têm biografia, a sua história, é, tem de ser, a do seu povo”. 

João José Brandão Ferreira

Fonte: O Adamastor

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